plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio


É bom mesmo ser criança? 
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Enquanto passam os dias e observo meu filho crescer, penso nas vezes que ouvi, ou que eu mesma disse: "bom mesmo é ser criança". Aparentemente, essa ideia vem do fato de que na infância existe uma desobrigação, uma ausência de compromissos e uma agenda básica organizada a partir das atividades de comer, dormir e brincar. Mas, também enquanto observo meu filho crescer, penso nos percalços da vida de um bebê, quando ainda não sabe dizer sobre aquilo que sente. Só sabe sentir. A autonomia que, nós adultos, tanto prezamos, e que é sinônimo de liberdade, não é uma possibilidade para bebês que dependem de ajuda, embalo e carinho até para dormir. Não conseguem comunicar se está frio ou quente, se as costas coçam ou se a comida tem pouco sal. Ou se salgada demais, deu sede. Apenas ficam vendo seus corpinhos, com mãozinhas e perninhas que balançam como se fossem levantar voo, de um lado para o outro, de colo para colo, para o carrinho, para o berço.

DIFERENTES INFÂNCIAS

Embora eu pudesse utilizar as características de um recém-nascido como argumento para questionar se ser criança é algo unicamente bom, considero necessário olhar para outras realidades. Até mesmo porque existem muitas formas de ser criança. E, principalmente, porque meu filho vive sua infância de forma muito privilegiada. Se de um lado estão as dificuldades naturais que fazem parte da vida e do desenvolvimento na infância, do outro, estão os sofrimentos decorrentes de problemas estruturais de uma sociedade desigual e de um Estado que não se responsabiliza pela vida de suas 35,5 milhões de crianças. Assim, enquanto observo meu filho crescer, penso nas vidas de outras crianças e me pergunto: é mesmo tão bom ser criança?

TRISTE REALIDADE

Com a proximidade do dia 12 de outubro, é importante lembrar que, de acordo com a Unicef, todos os dias, 32 crianças e adolescentes morrem assassinados no Brasil. Conforme o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, temos 2,4 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, a cada hora, quatro meninas de até 13 anos são estupradas no país. Além disso, dados do IBGE, revelam que metade das crianças com até 5 anos vive em restrição no acesso à alimentação de qualidade. As crianças brasileiras estão sendo assassinadas, exploradas, violadas e passam fome. Será que ser criança no Brasil é mesmo tão bom assim?

Olá! Conhece o Paulo?
Eni Celidonio 
Professora universitária

style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">Seu telefone toca, você vai atender com a maior boa vontade e uma voz pergunta: "Você conhece os planos da Net?" Você ainda nem processou a pergunta e vem a resposta: "Não? Então, preste atenção que nós vamos explicar pra você as vantagens do novo plano blábláblá". E tem aquele telefonema de banco, que sabe que você é um cliente fiel e honesto e estará lhe mandando um cartão que estará lhe dando vantagens inimagináveis, crédito que você não precisa, ajuda na compra de um imóvel... E você ali, sem entender nada, sem ter pedido nada, cheia de vantagens maravilhosas.

Houve uma época em que as pessoas ligavam aqui pra casa e perguntavam se era a oficina do Jackson. No início eu explicava que não com uma paciência de monge budista. Depois, como as pessoas começaram a questionar, dizendo que sabiam que o Jackson estava e não queria atender, comecei a entrar no jogo;

- Alô! É da oficina do Jackson?

- Sim.

- Ele está?

- Não... Foi pras Bahamas comprar umas chaves de fenda e um martelo aeróbico.

- E quando ele volta?

- Assim que conseguir um voo de volta, acho que em uns seis meses...

Agora, tem um lance que não tem explicação: o sujeito liga do banco X, oferece um horror de vantagens, você usa todo o seu bom humor e responde que você é cliente fiel há mais de vinte anos a determinado banco e adepto ao Neném Prancha: time que está ganhando não se mexe. Agradece e Tcham! O sujeito quer saber por que você não quer ter vantagem. Ele queria uma DR às nove da manhã! É sério isso?

Agora tem o Serasa de São Paulo atrás do Paulo. O telefone toca e uma voz até simpática pergunta: "Olá, você conhece o Paulo? É você?" No início eu respondia de maneira cordial, "depende, Paulo de quê?" Era uma gravação, logo existiam duas opções: se você dizia que não conhecia, ele dizia que voltaria a ligar mais tarde (insistente o moço), se você dizia que conhecia, ele lançava uma ladainha explicando que havia vantagens de pagar logo porque isso, porque aquilo... Sério, dá vontade de mandar um desaforo daqueles, mas é robô né, não adianta.

Mas nada se compara à reação de uma amiga minha. Cansada de lidar com esses telefonemas bêbados, que sempre acontecem no meio de um filme, quando estamos concentrados numa leitura ou pior, corrigindo trabalhos dos alunos, ela criou uma estratégia que é tiro e queda, sente o drama.

Seu telefone toca, você logo identifica que é propaganda, e o diálogo é mais ou menos o seguinte:

- Olá, aqui é a consultora fulana, tudo bem? Para sua maior segurança, este diálogo está sendo gravado.

- Oi! Que bom que você ligou! Eu precisava falar com alguém.

- Senhora, estamos entrando em contato porque...

- Ah, criatura! Como tenho sofrido nesses últimos dias - voz chorosa e fungadas de quem chora aos borbotões...

- Senhora, nosso contato é porque...

- Ah, deixa eu falar! Você acredita que o cretino me deixou com quatro filhos pequenos e foi-se embora com a vizinha? Acredita? Você acha justo? Eu que sempre fui correta, minha casa é um brinco... Eu não merecia isso! Merecia? Responde: merecia?

Fim da ligação. Essa não liga mais.



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